quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

“'SEVEN': OS SETE CRIMES CAPITAIS”

“Seven: os sete crimes capitais”. Direção: David Fincher. Produção: Phyllis Carlyle e Arnold Kopelson. Roteiro: Andrew Kevin Walker. Intérpretes: Morgan Freeman (Detetive William Somerset); Brad Pitt (Detetive David Mills); Kevin Spacey (John Doe); Gwyneth Paltrow (Tracy Mills); R. Lee Ermey (Capitão da polícia) e outros. [EUA: New Line Cinema]. 1995. 1 DVD (128 min), son., color.

1. Diálogos intertextuais
Característica inalienável do texto fílmico é a intertextualidade. Várias vozes convergem para comunicarem as cifras do ‘ser’. O “Seven” é um bom exemplo disso; há nele diferentes vozes conjugadas dialeticamente em, pelo menos, dois planos: no primeiro, a investigação – aqui representada por dois distintos Detetives –, e no segundo, a ação criminosa – tento como representante o “assassino”. A trama passa-se em níveis dialógicos, isto é, os investigadores e o “assassino” estão em constante ato comunicativo. O dialogismo é notável logo no primeiro crime. John Doe, em cada atitude, transmite uma mensagem por intermédio de cifras. Utiliza-se de trechos de livros de autores tais como John Milton, Shakespeare, Dante Alighieri, Geoffrey Chaucer, entre outros; não deixa de escolher a vítima de maneira específica, essa tem de “corporificar” um dentre os sete pecados capitais.

2. Simbólico
O simbólico não é senão código significante. E esse filme transborda simbologia. E não poderia ser diferente, já que os gêneros policial e suspense o requerem assim. São cenas cuja composição necessita obrigatoriamente do simbólico para que haja um enredo bem estruturado e com significatividade; é só atentar-se para as correspondências intrínsecas entre imagens e discursos que perpassam todas as cenas.
2.1. ‘Sete’
Deve-se observar a centralidade que ocupa o numeral 7. O título do filme é sete; faz-se referência ao texto bíblico, a criação do mundo; as cenas transcorrem em uma semana; é a última semana de serviços do Detetive Somerset; o horário de entrega da cabeça da esposa do Detetive Mills; e de modo dramático, os sete pecados capitais, que acabam por serem motivadores dos sete crimes capitais.
2.1.2. Os livros como indicação/inspiração dos crimes
Ademais, os trechos retirados de alguns livros são cruciais para decifrar/decodificar o que está acontecendo, o por que desses crimes. A Literatura aparece como ferramenta de dois lados. De um lado, os Detetives usam-na para buscarem os pressupostos motivacionais de Doe. Doutro lado, o próprio John Doe vive ao modo que interpreta a cultura literária.


3. Os detetives Somerset e Mills e o assassino John Doe
«Só sabemos dele é que é rico, culto e completamente louco»; «metódico, preciso e paciente»; «freqüenta bibliotecas» e é um ávido leitor. Isso é o que se sabe sobre Doe. Suas ações e a si mesmo são o que hão de ser levados em conta no processo de decifração. Os detetives Somerset e Mills assumem posições interpretativas diferentes quanto às atitudes e a pessoa de Jonathan Doe. Essa diferença manifesta-se de maneira mais acentuada em relação ao conhecimento literário, já que os crimes são baseados na leitura que Doe faz de obras literárias. Somerset é um profundo conhecedor da Literatura; é um leitor paciente; tem alta capacidade analítica; serve-se de um método na apuração dos fatos; é quem acolhe o casal Mills na cidade
[1], demonstrando grande experiência de vida. Já o detetive David Mills, um jovem e impetuoso recém chegado à cidade; em certo momento, demonstra indignação com Dante Alighieri, pois não compreende a ligação do texto com as ações criminosas; aqui e ali dá provas de desconhecimento literário, por exemplo, não sabe que O Mercador de Veneza é um livro, não sabe pronunciar o nome de Marquês de Sade e o de Tomás de Aquino; mostra-se impaciente ao ter que ler vários livros para concluir a investigação. Ora, então, certamente, existem dois tipos de leitores. E esses leitores confrontam-se a todo instante quanto à abordagem interpretativa dos indícios deixados por Doe.
Como fora dito, a identidade de Doe é desconhecida. Todavia, ele diz que quem o é não importa, nada significa, e, sim, o que ele está fazendo, o trabalho dele é excepcional. Intitula-se purificador (kathartès), tem de realizar uma purificação (kàtharsis) na Cidade. Doe fala: «nós vemos um pecado capital em cada esquina, em cada lar e o toleramos. Nós o toleramos porque é comum. É trivial. Nós o toleramos de manhã, de tarde e de noite. Quer dizer, tolerávamos. Estou dando o exemplo. E o que fiz, será decifrado, estudado e seguido para sempre.» Aqui nota-se quão trágica é a posição que Doe nos coloca, somos todos culpados e coniventes com o mal. Ele faz uma inversão de valores. Afinal, quem é culpado? Quem aceita, ou melhor, pratica a banalidade do pecado? É tentador apontá-lo como criminoso, cuja racionalidade transformou-se em cega crença – no intento de criação duma Cidade impoluta e regrada por códigos divinos. Contudo, ao final do filme ele é vítima de assassinato, por ser acometido pela inveja.
Desta sorte, Doe transpõe seu desígnio para o próprio destino. Acontece uma reconciliação com o destino e com a vida. E aqui cito as pertinentes palavras de Peter Szondi, «pois não é o aniquilamento que é trágico, mas o fato de a salvação tornar-se aniquilamento; não é no declínio do herói que se cumpre a tragicidade, mas no fato de o homem sucumbir no caminho que tomou justamente para fugir da ruína. Essa experiência fundamental do herói, que se confirma a cada um de seus passos, acaba por remeter a uma outra experiência: a de que é apenas no final do caminho para ruína que estão a salvação e a redenção
[2]

4. Édipo Rei e Seven
A comparação entre a tragédia Édipo Rei e o filme Seven pode parecer anacrônica, mas a faço para exemplificar como o processo de leitura muda as “visões de mundo” (Weltanschauung).
Alguns pontos análogos são: (i) a Cidade(pólis) em conflito, assolada por “contaminação” (mìasma): Édipo Rei inicia-se constatando-se os males que transtornam a todos; em Seven há os pecados que acossam a sociedade. (ii) A relação entre desígnio e destino (liberdade e necessidade): procura por si mesmo, por seu lugar (topos) no mundo, por sua responsabilidade, tentativa de transpor a necessidade pela liberdade – no caso de Édipo, busaca-se driblar o destino, por outro lado, John Doe cria um destino para si. (iii) Sabedoria: transparece de forma central tanto no Édipo Rei quanto no Seven; Édipo é quem examina, indaga, investiga e de maneira trágica descobre a dinâminca da vida, da própria vida; Somerset, Mills e Doe são personagens extremamente sutis, interpretam, colhem dados, investigam, refletem, julgam senão a vivência humana. (iv) Relação Deus(es) e Humanos: a divindade é, manifestamente, almejada pelo ser humano – regra-se a vida ditada pelo paradigma do sagrado. (v) Quem se é e Quem aparenta ser: louco, monstro ou apenas um homem comum (Seven)?; Édipo pensa ser uma pessoa, mas logo saberá que é outra. (vi) Purificação (kàtharsis): é realizada fora da Cidade, Édipo é expulso de Tebas; já Doe exige que seja levado para um local distante da vida social, é ali que será purificado, que cessará a contaminação da cidade. (vii) A violência como forma de purificação: os crimes são os sermões de John Doe; Édipo propõe violentas penalidade ao assassino de Laio, também atenta-se contra o próprio corpo ao ver-se envolvido nos males de si mesmo e do coletivo.
De resto, aqui pude ver uma «estrutura» de realidade duma vida excessiva como a nossa o é.
Fica, então, como sugestão: ler o Édipo Rei de Sófocles e assitir ao filme Seven.

[1] Vide Toledo, Eunice Lopes de Souza. “O entrelaçamento de vozes para compor a tessitura de ‘Seven’, de David Fincher”. Estudos Lingüísticos, XXXIII. 2004, p. 942.
[2] Szondi, Peter. Ensaio sobre o Trágico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. Itálicos meus.

Referências Bibliográficas:
- Kury, Mário da Gama. A Trilogia Tebana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
- Szondi, Peter. Ensaio sobre o Trágico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
- Toledo, Eunice Lopes de Souza. “O entrelaçamento de vozes para compor a tessitura de ‘Seven’, de David Fincher”. Estudos Lingüísticos, XXXIII. 2004. Disponível em http://www.gel.org.br/4publica-estudos-2004/4publica-estudos2004-pdfs-comunics/o_entrelacamento.pdf. Acesso em: 22/11/2007.
- Vieira, Trajano. Édipo Rei de Sófocles. São Paulo: Perspectiva, 2004.

2 comentários:

Paskyn disse...

Eu tenho que dizer David. Por que é que eu não te conheci quando o viado do meu professor de filosofia do ensino médio me mandava fazer resenhas relacionando o Pulp Fiction do imbecil do Tarantino com as idéias de Hume?

Eu nem ia precisar maltratar verbalmente a coitada da mãe dele...

Anônimo disse...

ei... imbecil é você.
Tarantino é fooooda!
veja o filme que vai estreiar em abril "À prova de morte"

Du Caralho.