domingo, 12 de julho de 2009

Herói

Um Cachorro Bravo escreve:

Devia já cursar o ensino médio quando li um livro chamado Baleiro, Balas do escritor Antônio Marchetti. A temática do livro era sobre um rapaz que sofria abusos físicos pela madrasta e pelo pai e fugia para uma cidade que tinha trejeitos de ser Salvador-BA. Lá ele se tornava vendedor de balas num cinema pulguento e, a duras penas, galgava degraus até um patamar mínimo de dignidade. Em certo trecho do livro, o protagonista reflete sobre um comentário de outro personagem sobre a natureza da virtude. Este personagem, um dono de cantina, declamava sua filosofia de marmita sobre um outro baleiro de boa reputação:

-O que é bom já vem feito!

Essa premissa chocava-se com toda a idéia que o rapaz tinha da educação como sendo algo construído e moldado ao longo da vida. Para ele não só o caráter acadêmico, mas também a constituição moral eram trabalhados ao longo dos anos e, caso contrário, corria-se o risco de tornar-se o homem um animal degenerado pela sociedade e pelos vícios que ela oferta.

Meu ponto de vista sempre coincidiu com o desse personagem. As pessoas não são más simplesmente por nascerem más ou são boas por nascerem boas. As pessoas aprendem a ser boas ou más. Aprendem a ser egoístas ou altruístas. Corajosas ou covardes.

Contudo, uma semana atrás um episódio me fez refletir sobre esses conceitos e em como eles podem ser flexíveis.

Um garoto que mora na rua de cima à minha casa estava sendo surrado por três homens corpulentos que o acusavam de ter roubado um celular da namorada de um deles.

A discrepância entre a estatura física dos envolvidos era enorme, mas os homens não tinham piedade. Quando o menino estava quase inerte, um outro rapaz que não deve pesar mais de 60 quilos se pôs entre os homens e o garoto. Arriscou a pele, literalmente, por outra pessoa a qual ele nem mesmo tinha segurança quanto à inocência.

Mais uma história dessas de coragem que a gente escuta pelas esquinas. O diferencial pra mim era que eu nunca tinha reparado naquele moleque magrinho. Conheço ele desde o início da adolescência. O pai é um alcoólatra que, até onde eu sei, já foi acusado de abusar sexualmente de uma criança deficiente. Também soube que havia iniciado sexualmente um garoto que mora no fim da rua e este garoto veio, posteriormente, a se assumir homossexual. A mãe do herói sempre se mostrou alguém distante. Raramente eu a vi sair de casa e sempre aparentava uma tristeza profunda.

Independente disso ele sempre foi boa praça. Não gostava de beber. Não andava com o pessoal barra pesada. Sempre foi bem quisto pela vizinhança e pela molecada.

O Skinner vai me dizer que eu não tive acesso a todas as contingências. Que ele tem reforçadores que estimulam o comportamento altruísta e por aí vai.

Eu sei, eu sei. Mas isso não diminui nem um pouco a minha admiração. Talvez eu tivesse muito mais condições de ter aprendido a ser alguém mais altruísta e, mesmo assim, acho que eu nunca fiz nada que se equiparasse ao ato do Emerson.

Acho que é por que nem todo mundo nasceu pra ser herói.

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